Nelson José Cunha
Durante os anos de faculdade, exerci por algum tempo a função de monitor de Farmacologia. Passava horas testando substâncias naturais - folhas, cascas e raízes às quais a sabedoria popular atribuía virtudes medicinais. Em suma, eu fazia chá.Curiosamente, é também assim que começam muitos remédios: cientistas extraem, isolam e purificam o princípio ativo de uma planta, para transforma-lo em comprimidos. Da infusão doméstica à indústria farmacêutica, muda apenas o grau de rigor - e o lucro, que no meu caso era nenhum, mas na indústria faz dos seus donos milionarios.
Em casa, contudo, não dispomos de centrífugas, solventes nem métodos de purificação. Mergulhamos tudo - o que cura e o que envenena - na mesma água fervente.
Acreditamos, por tradição, que a natureza é sempre benigna, quando na verdade ela é apenas exuberante, complexa e, às vezes fatal.
O uso de plantas medicinais é milenar e atravessa todas as civilizações. Mas a recente moda dos chás "naturais" como panaceia tem obscurecido um princípio elementar da farmacologia: toda substância biologicamente ativa pode ser também potencialmente tóxica, conforme a dose.
Ao preparar uma infusão, extraímos um coquetel de compostos - alcaloides, flavonoides, taninos, saponinas e outros metabólitos secundários. Alguns oferecem benefícios reais; outros, porém, podem irritar mucosas, lesar o fígado, sobrecarregar rins ou interferir em processos bioquímicos vitais. A ausência de controle sobre a concentração final desses componentes transforma o inocente chá caseiro num experimento cego - sobretudo perigoso para gestantes, crianças e portadores de doenças crônicas.
A farmacologia moderna surgiu precisamente para domar essa complexidade. Nos laboratórios, cada molécula é isolada e estudada com método: avaliam-se doses eficazes mínimas, doses letais medianas ,índices terapêuticos e suas interações com o sistema que nos mantêm vivos, mas nem sempre inteligentes. Só após esse percurso rigoroso o princípio ativo é administrado em níveis seguros, capazes de curar sem ferir.
Ter cautela com o chá da vovó, portanto, não é renegar sua sabedoria, nem desprezar os saberes ancestrais - é reconhecer que "natural" não significa "inócuo". A diferença entre o remédio e o veneno, como já advertia Paracelso, médico suiço da idade média, está na dose.
N. do E.
A Natureza é a mestre do médico, já que ela é mais antiga do que ele e ela existe dentro e fora do homem. ~ Paracelso

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