A microbiologista virou uma especialista em "integridade científica": na prática, isso consiste na análise (não remunerada) de milhares de estudos biomédicos, em busca de erros que possam comprometer seus resultados. Bik também tem um trabalho pago, de consultoria e palestras para universidades e centros de pesquisa, sobre como melhorar seus processos.
Faz pouco mais de um ano que Bik foi uma das cientistas a levantar preocupações sobre um estudo que ganharia proporções não previstas na época: tratava-se da pesquisa do instituto médico francês IHU-Méditerranée Infection, em Marselha, publicada inicialmente em março de 2020 com a afirmação de que "a cloroquina e a hidroxicloroquina eram eficientes contra o SARS-CoV-2", o vírus da covid-19.
Bik levantou questionamentos sobre a metodologia usada pelo estudo, que segundo ela prejudicam as conclusões, como:
- Lapsos no cronograma: os dados apresentados no estudo não deixam claro qual foi o resultado do teste PCR dos pacientes na metade do estudo, como havia sido originalmente planejado. Isso despertou preocupações quanto a se dados potencialmente negativos poderiam ter sido omitidos.
- Havia muitas diferenças entre os grupos de controle (ou seja, pessoas que não foram tratadas com hidroxicloroquina) e o grupo de pacientes do estudo, o que dificulta a comparação entre ambos e, portanto, os resultados da pesquisa.
- Embora o estudo tenha começado com 26 pacientes, termina apresentando dados de apenas 20 deles. Dos seis faltantes, três haviam sido transferidos para a UTI, um morreu e dois abandonaram a medicação. "É como dizer 'meus resultados são incríveis se eu tiro as pessoas em que eles se saíram muito mal'. É claro que (o estudo) parece ótimo (se você tira os pacientes que morreram), mas não é honesto fazer isso", diz Bik à BBC News Brasil.
- Um dos autores é também editor-chefe do periódico onde o estudo foi publicado, o International Journal of Antimicrobial Agents. "Isso pode ser percebido como um enorme conflito de interesses, em particular ao lado de um processo de revisão de pares (quando cientistas revisam o estudo de seus colegas) que durou menos de 24 horas", escreveu Bik na época. "É o equivalente a permitir que um estudante dê a nota de seu próprio trabalho escolar."
Extraído de: Covid-19: a cientista 'detetive' que acendeu alerta sobre hidroxicloroquina, BBC News
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