quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

1240 - "Já tive covid-19, preciso vacinar?" Esse estudo diz que sim

Novo estudo demonstra efetividade das vacinas anticovídicas CoronaVac, AstraZeneca, Janssen e Pfizer em pessoas com história de infecção prévia pelo SARS-CoV-2 no Brasil. O trabalho, publicado no servidor de pré-impressão MedRxiv em 27 de dezembro de 2021, ainda não foi revisado por pares. ~ Clarinha Glock (21/01/2022), Medscape
“Este provavelmente é o estudo mais completo até o momento em relação à efetividade vacinal em indivíduos previamente infectados. Outros estudos mostraram algum benefício da vacinação em pessoas previamente infectadas, porém, eram limitados por tamanho amostral, representatividade e, em geral, somente avaliavam um tipo de vacina”, disse um dos autores da pesquisa, o Dr. Otavio Tavares Ranzani, médico intensivista e epidemiologista da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e do Instituto de Salud Global de Barcelona (ISGlobal), na Espanha.
Para realizar a análise, os pesquisadores consultaram bancos de dados nacionais com informações sobre a vigilância de casos, os testes laboratoriais e a vacinação no Brasil. No estudo, a equipe selecionou indivíduos que tiveram covid-19 confirmada por meio de teste de reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR, sigla do inglês Reverse Transcription Time Polymerase Chain Reaction) e, dentre estes, aqueles que tiveram covid-19 confirmada durante o período do estudo.
“Assim, construímos um estudo caso-controle e teste negativo. Estimamos a razão de chances de alguém vacinado ter um teste RT-PCR positivo em comparação com alguém não vacinado e conseguimos estimar a efetividade da vacina”, explicou o Dr. Otavio. “Tomamos o cuidado de evitar falso-negativos”, acrescentou o pesquisador.
No total, foram avaliados 22.565 indivíduos acima de 18 anos que tiveram dois testes RT-PCR positivos (reinfecção) e 68.000 que tiveram teste positivo e depois negativo, entre fevereiro e novembro de 2021.
Os pesquisadores constataram que, 14 dias após a finalização do esquema vacinal, a efetividade das vacinas anticovídicas CoronaVac, AstraZeneca, Janssen e Pfizer contra doença sintomática em pacientes previamente infectados pelo SARS-CoV-2 foi de 37,5%, 53,4%, 35,8% e 63,7%, respectivamente. Em relação a hospitalização e morte, a efetividade das vacinas foi de 82,2%, 90,8%, 87,7% e 59,2%, respectivamente.
Segundo o infectologista Dr. Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e um dos coordenadores do trabalho em tela, os resultados indicam a necessidade de reforço das recomendações de vacinação, contrapondo o discurso de alguns países de que, em caso de infecção prévia bastaria uma dose da vacina anticovídica – ou até mesmo nenhuma. “Neste momento, em que inclusive muitos profissionais de saúde estão adoecendo, é preciso garantir um nível de proteção elevado”, afirmou o Dr. Julio.
O Dr. Albert Icksang Ko, médico que participou da pesquisa em colaboração com o Instituto Gonçalo Muniz, da Fiocruz em Salvador, e atua no Departamento de Epidemiologia de Doenças Microbianas da Yale School of Public Health, acredita que este estudo é um recurso importante para direcionar as políticas de saúde em todo o mundo. Além disso, ele considera fundamental para reforçar que, se houver um paciente infectado, ele deve receber a vacinação. “Aqui nos Estados Unidos ainda há muitas pessoas que pensam que não precisam da vacina, e esta informação não baseada cientificamente é promovida por governos, como o da Flórida”, observou.
Nas conclusões, os pesquisadores salientaram que mais de 40% da população mundial ainda não recebeu nem uma dose de vacina anticovídica e uma proporção substancial já foi infectada pelo SARS-CoV-2, portanto, “garantir acesso à vacina a indivíduos com infecção anterior pode ser particularmente importante em meio ao início de relatórios da variante Ômicron que sugerem que a imunidade conferida por infecção anterior é reduzida”.
“Nós não avaliamos a variante Ômicron, mas mostramos que, mesmo quem já teve infecção pelo SARS-CoV-2 e tem imunidade decorrente da infecção, se beneficia muito em ganho adicional de proteção ao tomar as duas doses da vacina, e isso deve ajudar na proteção contra a Ômicron”, enfatizou o Dr. Otavio.
Participaram do estudo pesquisadores do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia); do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia); da Fiocruz Brasília e da Fiocruz Mato Grosso do Sul; da Universidade Federal da Bahia; da Stanford University, do Instituto de Salud Global de Barcelona (ISGlobal); do Hospital das Clínicas de Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; da London School of Hygiene and Tropical Medicine; da Universidade Federal de Ouro Preto; da Universidade da Flórida; da Yale School of Public Health; da Universidade de Brasília; da Emory University; da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
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Imunidade turbinada: 
estudo mostra que infecção por Covid-19 complementa vacina e cria superproteção
extra.globo.com
Micrografia eletrônica de varredura colorida mostra célula fortemente atacada pelo SARS-Cov-2 (em vermelho) Foto: NIH/Divulgação

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

1239 - Mulheres na ciência: elas estão virando o jogo

Dra. Aline Serfaty; Dr. Sivan Mauer
Em 2005 o economista norte-americano Lawrence Summers, à época servindo como reitor da Harvard University, disse publicamente que a pouca representatividade das mulheres na ciência e na engenharia era mais uma questão de falta de aptidão do que de discriminação de gênero. A opinião, que gerou um problema brutal de relações públicas em uma das mais prestigiosas instituições de ensino do planeta e terminou por influenciar o pedido de demissão de Summers do cargo, soa como uma ofensa à capacidade das mulheres, mas é a desculpa mais usada para desmerecer minorias.
De acordo com o relatório A jornada do pesquisador pela lente de gênero, publicado pela Elsevier em 2020, a participação de mulheres, nos mais diversos campos da ciência, oscila entre 20% e 49% nos 15 países estudados para compor o relatório. O Brasil está entre os pesquisados, e figura entre os países mais equânimes na proporção entre homens e mulheres na autoria de artigos científicos, com 0,8 mulher por homem – um desempenho superior ao do Reino Unido (0,6), dos Estados Unidos e da Alemanha (ambos com 0,5).
Neste episódio do Conversa de Médico (Medscape), a Dra. Aline Serfaty, radiologista, e o Dr. Sivan Mauer, psiquiatra, apresentam os números mais atualizados sobre como essa falácia perpetuada para a manutenção do status quo está cada dia mais longe de corresponder à verdade. Discutindo como a desigualdade de gênero na ciência acarreta redução na criatividade e no potencial de inovação de um país, a dupla de médicos elenca algumas questões intrínsecas os desafios a serem superados para igualar a representatividade de homens e mulheres na formação e na produção científica brasileira.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

1238 - A pentadactilia humana

Correndo o risco de espantar: quando foi a última vez que você realmente olhou para suas mãos? 
(Uau, cara.) Nós as usamos todos os momentos para inúmeras tarefas, mas elas frequentemente escapam de nossa atenção. 
Então, por que elas são do jeito que são?
Um dos fatos básicos sobre nossas mãos é que cada uma possui quatro dedos e um polegar: cinco dedos no total.
Mas por que não quatro ou seis? Os cartunistas costumam reduzir o número de dedos que desenham por uma questão de conveniência - basta olhar para Os Simpsons - mas parece que, pelo menos para os seres humanos, a evolução não teve a mesma prioridade.
Cinco dedos para todos
A pentadactilia humana (o termo técnico para "possuir cinco dígitos") não é única. Na verdade, o ancestral de todos os tetrápodes modernos - mamíferos, répteis, anfíbios e pássaros - tinha cinco dígitos em cada um de seus quatro membros no período Devoniano, de 420 a 360 milhões de anos atrás. Mesmo os morcegos e as baleias têm os restos ósseos de cinco dedos em suas asas e nadadeiras, respectivamente, embora não precisem mais de mãos adequadas.

Nadadeira de baleia e mão humana: comparação.
Basicamente, temos cinco dedos porque nossos ancestrais tinham.
Por que esse tetrápode ancestral tinha especificamente cinco dedos ainda é um mistério, de acordo com o Dr. Justin Adams, paleontólogo da Monash University.
"Sabemos que no Devoniano havia muitos tetrápodes [parecidos com peixes] com diferentes números de dedos - cinco, sete, acredito que até treze - mas, no final do período, tínhamos apenas tetrápodes pentadáctilos", diz ele.
Cinco dedos eram melhores do que qualquer outro número?
Qualquer hipótese "seria altamente especulativa sem muitos dados sobre os tipos de pressões seletivas que os organismos enfrentavam na época", diz Adams.
"Eu erraria por precaução e sugeriria que simplesmente não sabemos 100% o 'por que' ou o 'como' do estreitamento da morfologia da mão para cinco dedos no Devoniano”.
Perdendo dedos
Curiosamente, muitos tetrápodes perderam alguns dos cinco, como os cavalos, cujos cascos são grandes e de um só dedo, e gatos e cachorros, que têm cinco dedos nas patas dianteiras, mas apenas quatro nas traseiras. Não é assim em primatas, onde a destreza de cinco dedos é útil para pegar coisas, e nos quais perder um dedo seria prejudicial.
Mas se cinco dedos são bons, então um maior número deles seria ainda melhor, certo?
Acontece que não é fácil evoluir para mais: embora dedos ou polegares extras possam ser encontrados nas mãos de pessoas com a condição congênita de polidactilia (literalmente "muitos dedos"), eles nunca estão funcionando adequadamente. Na verdade, "nunca houve um único caso de adição de um sexto dedo" nos tetrápodes modernos, diz Adams.
"Você precisaria ter mudanças estruturais na mão, bem como nos músculos do antebraço e nos ossos do pulso, para fazer um 6º dígito funcionar". E isso provavelmente tem sido muito difícil para a evolução se preocupar.
Polegares especiais
Embora nós, humanos, possamos ter um número "padrão" de dedos, o que nos diferencia dos outros tetrápodes são nossos polegares, uma reviravolta particularmente interessante na história evolutiva de nossas mãos.
"Temos um músculo específico que flexiona o primeiro dedo: o flexor longo do polegar", diz Adams. "Quando ocorre em macacos, costuma estar associado a outros músculos flexíveis dos dedos, o que significa que, embora os humanos possam flexionar os polegares com força e fazer isso independentemente de seus outros dedos, outros macacos têm uma capacidade extremamente limitada para fazer isso".
Ask evolution: Why do we have five fingers?
Jack Scanlan. Trad.: PGCS

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

1237 - O método de Abraham Wald

Condutas baseadas em evidências, aviação militar e a importância de fazer as perguntas certas
Dr. Bernardo Schubsky *, Medscape
Como profissionais de saúde e estudantes, estamos constantemente nos deparando com novas situações e desafios, mas como podemos ter a certeza de estarmos mantendo vivo o nosso espírito inquisitivo? O caminho mais fácil logicamente é presumir que a informação que já temos seja exata. Ou simplesmente aceitar que o que está sendo dito pelos nossos professores e colegas é a melhor resposta.
Essa postura pode levar ao terrível viés de confirmação, por meio do qual repetimos um comportamento apenas por força do hábito, sem nunca voltar ao início da questão. Mas, claro, essa não é a melhor maneira de consolidar nossas memórias remotas – se formos estudantes – nem de assegurar um exercício profissional eficaz baseado em evidências – se formos médicos atuantes.
E então você provavelmente está se perguntando: O que a saúde tem a ver com aviação militar?
Aí vamos nós...
Durante a Segunda Guerra Mundial, o matemático Abraham Wald foi encarregado pela Real Força Aérea britânica (RAF, do inglês Real Air Force) de analisar a distribuição do padrão das marcas de tiros nos aviões que retornavam das zonas de combate e escolher as áreas mais atingidas para determinar o melhor posicionamento da blindagem. Como o avião precisava ser o mais leve possível, o objetivo era blindar somente as áreas mais atingidas, para aumentar as chances de sobrevivência dos pilotos.
Mas Abraham percebeu que a pergunta estava sendo feita de modo radicalmente equivocado, e aquilo que ele fora incumbido de analisar não estava correto. Para começar, os aviões nos quais ele estava investigando o padrão de distribuição das marcas de bala eram os que tinham voltado, não os que foram abatidos. Traçando um paralelo com a saúde, ele não foi solicitado a avaliar o grupo que precisava de tratamento, foi-lhe pedido para examinar o grupo que não precisava da intervenção. Hmmm, isso é intrigante...
A sua abordagem criativa para resolver o problema foi voltar ao início do problema: Por que a RAF solicitou a análise dos padrões das marcas de bala?
Abraham reformulou a pergunta objetivamente para: “Como a integridade do avião pode ser reforçada sem termos acesso aos aviões abatidos?"
A seguir ele analisou o padrão de “menos marcas versus ausência de marcas” e percebeu que a maioria das marcas se direcionava às partes estruturais dos aviões, como o tanque de combustível ou os componentes do motor.
O método de Abraham Wald voltou a ser usado nas guerras seguintes, tornando-se o método convencional de análise da integridade das aeronaves.
A lição é que devemos manter sempre viva uma faísca de questionamento, e não nos darmos por satisfeitos com a explicação mais imediata para cada nova questão que enfrentamos. Devemos permanecer ávidos para entender o porquê antes do como durante nossas aulas. E mesmo que os dados apresentados sejam as melhores informações disponíveis, ao mudar de atitude, trocando a nossa mentalidade do aprendizado passivo para o ativo, já teremos dado um enorme salto em termos de compreensão e consolidação dos nossos conhecimentos.
Ao retirar nosso cérebro da zona de conforto, nos permitimos fazer novas associações e armazenar as informações na nossa memória remota. E, futuramente, se nos confrontarmos com um ponto de vista oposto, será mais fácil recordar a informação anterior e compará-la com a nova, formulando novas questões e dando sequência ao ciclo virtuoso do aprendizado.
A sugestão prática aqui é sempre ir às aulas e às discussões clínicas preparando-se com um pouco de informação e muitas perguntas. Durante a aula, a maioria das perguntas será respondida naturalmente, solidificando nossas associações mentais. As questões que não foram abordadas são as que podem nos levar ao próximo nível e nos permitir avançar nos nossos estudos.
* O Dr. Bernardo Schubsky é formado em medicina, tem mestrado em educação médica e está fazendo doutorado na mesma área.