O médico Daniel Takana, de Parintins-AM, já havia pegado o coronavírus, se curou, voltou para a linha de frente, mas se contaminou outra vez
"Já supostamente imune ao vírus, após cumprido meu período de isolamento, voltei ao combate na linha de frente.
Confiante, fui fazer meu exame a fim de obter a detecção do IgG, que mostraria que meu organisno estaria recuperado.
Minha decepção ao saber que ainda tinha apenas o IgM positivo.
Ok. Vamos em frente. Não posso aguardar a positivação desse anticorpo em casa. Estava bem. A dor torácica havia passado. Meu pulmão estava 100%. Era hora de enfrentar todos os desafios, pois o Hospital estava lotando e mais e mais pacientes internavam com gravidade importante.
Muitas melhorias no serviço, aparelhos de laboratório novos, capsulas de Hood, gasometria, BIPAPs, protocolos de tratamento de ponta, alinhamento fantástico com a equipe médica, fisioterapia, enfermagem, nutrição, psicologia, administração. O Hospital em harmonia, numa batalha ferrenha para restaurar a saúde de doentes com 30, 50, 70, até 90% do pulmão comprometido. Que orgulho de poder fazer parte de tudo isso.
Não tinha tempo para almoçar, dormir tranquilo já era exceção, muitas intubações, passagens de cateteres, pronação de paciente obeso… tudo com muito amor e dedicação.
Eis que dia 23 de maio, sábado, começei a me sentir muito fadigado, não conseguia sair da cama.
Mas obviamente não tinha escolha. Fui trabalhar. Sábado à noite, febre e calafrios. Coriza. No domingo, passei o dia mais difícil durante todo o enfrentamento. Uma série de problemas críticos a serem resolvidos. E um paciente de quase 200 kg para cuidar, estabilizar, para conseguir dar condições de voar até Manaus de Salvo Aéreo. Foi um sucesso. O paciente de 36 anos, que chegou saturando 46%; após intubação foi a 67%. E, após a pronação (colocar o paciente intubado de barriga pra baixo, um sufoco), a saturação foi subindo, e na hora do resgate aéreo, entregamos o paciente com saturação de 96%. Sai acabado do hospital, mas feliz.
Mais uma noite com febre. E, no outro dia, muita dor no peito. Nesse momento, um filme passou pela minha cabeça.
Eu, que havia me isolado de minha familia por 52 dias para protegê -la, poderia estar novamente com COVID? E, ainda fatalmente, a teria contaminado.
Fui realizar exames. Meu IgG teimou em não se mostrar positivo. O IgM mais forte do que nunca. E meu hemograma com leucócitos e plaquetas baixas. Seria uma outra infecção viral? Segunda à noite, mais um paciente grave para intubar. Só eu sei como estava lá, era mais alma do que físico para suportar.
Terça fui para tomografia. E para o meu desespero, lesões agudas compatíveis com COVID, em torno de 15%. Nesse momento não fui forte. Entrei no carro, e desabei. Chorei feito criança. De medo de ficar grave. De raiva, por ter tido tanto cuidado com minha familia e expô la ao vírus. Revolta, por ter que me afastar novamente da direção do hospital, e, principalmente, de ter que sair da linha de frente.
De médico à paciente pela segunda vez.
Conversei com alguns colegas em São Paulo, e me aconselharam a ir para minha cidade natal, para uma investigação mais minuciosa. Não é comum uma reativação como essa. E como fator de complicação, o excesso da minha exposição a altas cargas virais durante procedimentos com pacientes c COVID grave. Refleti. Pensei que se a minha esposa também adoecesse, não teríamos na cidade quem cuidasse de nossa filha. Decidimos dar um jeito de vir para São Paulo.
Me dirigi ao Hospital do Coração, onde fui atendido pela equipe da dra Lotaif, médica conhecida de nossa família. Realizei uma série de exames e, em nova tomografia, o acometimento das lesões no pulmão tinham avançado. Estando em torno de 30%. O exame RT PCR , que pesquisa diretamente o vírus na garganta e nariz deu fortemente POSITIVO. A equipe da infectologia optou então por me internar.
Para invesrigar a fundo o que esta acontecendo e, principalmente, para tentar brecar essa avanço rápido da doença em meus pulmões.
Ainda sinto muito desconforto no tórax, e hoje ainda tenho alguns exames e muitas medicações para tomar.
Eu agradeço todas as manifestações de carinho e apoio.
Saibam que confio muito no trabalho da minha equipe de enfrentamento. Estamos realmente fazendo um trabalho de excelência.
Estou recebendo aqui no H Cor exatamente o mesmo tratamento que fazemos aos nossos pacientes. E ainda temos a grande vantagem de uma equipe de fisioterapia que faz as ventilações não invasivas nas
cápsulas de Hood, de maneira fantástica. Sempre protegidos, tanto que nenhum membro da fisioterapia se contaminou.
Deixo aqui meu relato, meu agradecimento ao prefeito Bi Garcia, incansável na luta e no apoio de sua equipe médica, e toda a equipe da SEMSA e dos Hospitais Jofre Cohen e Padre Colombo.
E um agradecimento especial à minha esposa por sempre estar ao meu lado.
Em breve retornarei à batalha.
Agora chegou a hora de me cuidar.
Espero que meu próximo post seja sobre minha alta.
Assim será!"
1.° caso no Brasil: médico da linha de frente recebe diagnóstico de reinfecção do coronavírus. Publicado em 30/05/2020 e acessado em 02/06/2020.