Há tempo venho me convencendo de que a grande função do aparelho circulatório é assegurar a respiração celular.
A ideia de que o aparelho circulatório serve, eminentemente, a uma função respiratória não é do agrado dos cardiologistas. Segundo tenho verificado, para eles, a função maior do aparelho circulatório é fazer o sangue circular. O que, em princípio, está certo. Mas dentro da hierarquia das coisas que circulam com o sangue, não me sobram dúvidas de que são as exigências do transporte das matérias primas da respiração que determinam a bioengenharia do aparelho circulatório.A proposição de que o aparelho circulatório serve mesmo é para respirar, aumenta o meu débito para com os cardiologistas. Débito que se iniciou, há alguns anos, com uma outra proposição que lhes submeti à apreciação: a de que a sede anatômica do amor não é o coração mas, muito mais provavelmente, o pulmão.
Esta proposição inquietou duplamente os especialistas do coração: pelo fato em si e por suas repercussões econômicas. Uma das justificativas para a consulta dos cardiologistas ser um pouco mais cara do que as dos demais especialistas da Medicina Interna, deve-se ao fato de terem eles sob sua responsabilidade, além do centro da circulação, o centro do amor.
Os argumentos que apresentei, no entanto, abalaram os meus companheiros de especialidade:
"O que pode o amor fazer ao coração?" perguntava-lhes eu. "Acelerar a freqüência de seus batimentos?". " Vejam em contraste, a riqueza das manifestações afetivas do pulmão: é com o pulmão que rimos, é com o pulmão que choramos, é com o pulmão que suspiramos; é do pulmão que saem todas as interjeições afetivas; e todos os ais de amor". E, completava: "O que pode uma discreta taquicardia sinusal, quando comparada à respiração arfante de uma mulher apaixonada?".Não obstante o desassossego que causa, a proposição de que a circulação serve primariamente para respirar é, também, irretorquível.
Se nós pararmos o aparelho circulatório, morreremos em quatro minutos, por falta de oxigênio. Se por um passe de mágica, com o aparelho circulatório parado, conseguirmos oferecer oxigênio a todas as células do organismo, morreremos em onze minutos, por excesso de CO2. Falta de oxigênio e excesso de CO2 são marcas registradas de insuficiência respiratória. Se num segundo lance de mágica, com a circulação parada, removermos o CO2, em excesso, morreremos em três semanas, por acúmulo de catabolitos. Uma demonstração eloquente da primazia dada pelo aparelho circulatório às suas funções respiratórias.
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Referência: Os seis corações do homem: Um ensaio, Publicações SBC
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