Nas últimas semanas, o tema Amianto voltou a ganhar espaço na mídia nacional e internacional. No Brasil, em consequência à interpelação judicial, promovida pelo Instituto Brasileiro do Crisotila, contra o
Dr. Hermano de Castro Albuquerque, pesquisador do Centro de Estudos do Trabalho e Ecologia Humana, FIOCRUZ, relacionada a achados de pesquisa sobre o mesotelioma, publicado em um periódico científico, e por suas declarações na mídia sobre riscos para a saúde associados à exposição ao amianto.
Essa repercussão foi potencializada pelo
julgamento criminal ocorrido em Turim, Itália, condenando dois ex-proprietários de ramos do Grupo Eternit por omissão de informações sobre os problemas de saúde associados à manipulação do amianto, e quase 3 mil mortes que ocorreram entre ex-trabalhadores e habitantes do entorno de uma de suas empresas em Casale Monferrato.
Há duas décadas, profissionais brasileiros de renome na área do trabalho, médica e ambiental vem, de público, advertindo sobre as desastrosas consequências da manutenção da utilização do amianto no Brasil. Infelizmente, o Estado Brasileiro se esquivou, repetidamente, do problema, não respeitando o valor constitucional de proteger seus cidadãos. Nos últimos anos, perderam-se diversas oportunidades de proibir seu uso no território nacional. Perdeu-se também, a oportunidade de evitar que o risco continue a se estender a populações de outros países importadores do asbesto brasileiro (praticamente, todos com condições sanitárias tão ruins ou piores que a nossa).
Estima-se que mais de sete milhões de pessoas morram de câncer anualmente, em todo o mundo (Jemal A, et al. CA CANCER J CLIN 2011). Hábitos pessoais e condições de ambiente são responsáveis por 40% dos casos de câncer, o que significa que cerca de 3 milhões de óbitos anuais poderiam ser prevenidos.
O ambiente de trabalho é responsável por 4 a 20% de todos os casos de câncer na população. Dentre estes, o amianto, isoladamente, é responsável por 1/3 dos casos e, restringindo-se apenas ao câncer de pulmão de origem ocupacional, a parcela do amianto chega a 50% dos casos. Percentual ainda maior ocorre em relação ao mesotelioma, um câncer raro da membrana que envolve os pulmões, de péssimo prognóstico, no qual o amianto é o agente causal de mais de 80% dos casos. Dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde mostram uma curva francamente ascendente de mortes por mesotelioma em São Paulo.
Atualmente, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de amianto. Entre 1975 e 2005, o mercado brasileiro consumiu 5 milhões de toneladas, traduzido em produção, transformação (produtos de cimento-amianto e outras centenas), instalação, remoção e descarte. Entre 2008 e 2010 a produção aumentou, assim como a importação e o consumo interno. Em 2010, o consumo estimado foi de 0,9 Kg/brasileiro. Estes produtos estão espalhados pelo ambiente.
Não é necessário esforço para entender que o problema extrapola o ambiente de trabalho. A chance de um cidadão se expor ao amianto, assim como a outros cancerígenos reconhecidos, aumenta na proporção do seu uso.
A nocividade do amianto crisotila é inconteste, classificado desde 1987 dentro do Grupo 1 das substâncias carcinogênicas pela
Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), organismo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isto significa que há suficientes evidências experimentais e epidemiológicas que permitem classificá-lo como cancerígeno para humanos.
A OMS e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) entendem que a única forma de se prevenir as doenças associadas ao amianto é através da cessação da sua utilização (
http://www.who.int/occupational_health/publications/asbestosrelateddiseases.pdf,
http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc95/pdf/pr-20.pdf). Em adição ao câncer de pulmão e do mesotelioma, o amianto é, também, causalmente associado ao câncer de laringe e câncer de ovário (
www.thelancet.com/oncology, Vol. 10 Maio 2009).
Sob o conceito de “fato relevante”, a Eternit no Brasil encaminhou matéria paga a veículos de grande circulação, em que tenta se distanciar da gravidade da questão, reduzindo um grave problema de Saúde Pública a uma suposta querela comercial e de disputa de mercado. Apega-se, de má-fé, à Lei Federal no. 9.055/95, cuja flagrante inconstitucionalidade já tem parecer favorável do Ministério Público Federal e do Ministro Relator do STF, e ainda, tenta desqualificar a inteligência e a sensibilidade dos legisladores dos estados onde o amianto já foi proibido, reduzindo o clamor de milhares de vítimas das doenças do amianto crisotila, à suposta pressão de concorrentes da Eternit.
A “utilização segura” e o “uso controlado” do amianto, no seu ciclo de vida e ao longo da cadeia produtiva, são conceitos enganosos e inviáveis. Quem controla a sua “utilização segura” na construção civil? Quem controla a sua “utilização segura” em manutenção de máquinas, equipamentos e instalações que o contenham? Quem controla a sua “utilização segura” em reformas e demolições? Quem controla a contaminação de locais previamente utilizados para armazenamento e/ou a produção de produtos contendo amianto? Quem controla o descarte de materiais contendo amianto após o seu uso?
Qual é a necessidade de se manter a sua produção e uso? Há substitutos seguros para todas as utilizações conhecidas do asbesto. Nenhuma fibra substituta faz parte da lista de cancerígenos da IARC. Em adição, há estudos que demonstram a viabilidade técnica e econômica de sua substituição.
Como cidadãos e profissionais ligados à Saúde, registramos a indignação pela manutenção da produção, transporte, consumo, descarte, exportação e importação do amianto, e conclamamos o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo Federal que se unam para acelerar as iniciativas pelo banimento total do amianto crisotila no Brasil, imediatamente.
Que o Brasil não faça vexame na Conferência Rio + 20, de junho, e consiga mostrar – a nós e ao mundo – que suas políticas públicas não são definidas pelos lobbies de uma empresa, e sim, são comprometidas com a defesa da saúde e do ambiente, como reza a Constituição Federal.
Subscrevem o documento 12 instituições/organizações e 41 profissionais. Seus nomes constam da nota
Amianto: Entidades e profissionais querem banimento já, publicada em 10/03/2012, no sítio eletrônico VI O MUNDO (acessada em 11/03/2012).